O discurso jornalístico sobre o Programa Mais Médicos

Publicado em Notícias - 25 de setembro de 2015

Cesar Luz

O pesquisador César Luz é jornalista e mestre em Saúde Pública. Arquivo pessoal

Pesquisa desenvolvida na Faculdade de Medicina da UFMG  analisa foco das abordagens midiáticas sobre o iniativa do Governo Federal.

 

Instituído por meio do projeto de Lei 12.871, em outubro de 2013, o Programa Mais Médicos tem por finalidade a formação de recursos humanos na área médica para o Sistema Único de Saúde (SUS). Desde a sua criação, o programa tem sido debatido com destaque nos meios de comunicação. O debate em torno da implantação do Mais Médicos continua intenso, sendo os meios de comunicação o principal fórum de discussão do tema.

Mas de que forma o jornalismo aborda a iniciativa? Como o discurso jornalístico a respeito deste tema tem sido construído? Este é o tema da dissertação “O Programa Mais Médicos em uma abordagem lexical: Representação social e repercussão científica”, de autoria de César Augusto Luz, defendida no Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública da Faculdade de Medicina da UFMG.

Formado em Comunicação Social, César Luz observou que houve uma mudança na forma de tratamento da mídia ao Mais Médicos em comparação com a maneira pela as deficiências do SUS são normalmente retratadas. “O SUS sempre foi muito atacado em suas fragilidades pela imprensa, que mostra as filas e a superlotação para qualificar a saúde pública como sinônimo de crise e de caos. A tônica dessa cobertura sempre foi polarizada pelos interesses dos usuários, de um lado, e os governos, de outro”, afirma César. Para o pesquisador, a cobertura do Mais Médicos apresentou uma novidade. “A cobertura do programa rompe com essa tradição. A imprensa inverte um dos pólos: saem os usuários e entram as entidades representativas da corporação médica, que passam a serem posicionados como falantes autorizados a exercerem o papel de principais opositores do governo federal em relação ao programa”, afirma.

Metodologia

Para a análise, foram considerados textos publicados no Jornal Folha de São Paulo. Foram reunidas 916 publicações da Folha entre janeiro de 2013 e junho de 2014, recuperadas por meio da expressão de busca “Mais Médicos”, diretamente no site do jornal. A pesquisa se estruturou em três pilares. Os dois primeiros são quantitativos e formam uma base para a etapa qualitativa. Um primeiro conjunto de procedimentos foi voltado para o monitoramento terminológico do jornal Folha de São Paulo. O segundo realizou o mesmo monitoramento em duas bases de literatura científica, aScielo e a Lilacs. O último conjunto de procedimentos investigou as representações sociais na Folha, a partir da validação das etapas anteriores.

Foram escolhidos 28 substantivos, extraídos dos objetivos da Lei 12.871, para verificar se estavam presentes nas matérias do jornal. Os mais frequentes eram termos genéricos como saúde e profissional. Apenas 10 dos 28 termos buscados figuram entre as 100 ocorrências (substantivos e adjetivos) mais frequentes no corpus. A tríadeusuário/paciente/doente apresentou uma frequência baixa, de 0,12%. “Percebeu-se à medida que os médicos chegavam aos municípios, os temas da atenção e o enfoque nos serviços decaíam nos textos, enquanto que outros (como política) cresciam, pois as eleições de 2014 se aproximavam. Quando as pesquisas se mostraram favoráveis, ocorreu uma queda abrupta, que coincide, também, com a chegada dos médicos aos municípios. No pico, o jornal chegou a publicar 6 matérias em média, numa mesma edição diária”,comenta César. .

Os resultados

As buscas realizadas nos artigos científicos, publicados entre março de 2010 e março de 2015, apresentam estabilidade no uso do conjunto terminológico da legislação. Isto demonstra que a terminologia, tratada nos objetivos da Lei 12.871, já era compartilhada pela produção científica antes mesmo do programa ser instituído, validando-se os termos eleitos como parâmetro confiável para avaliar a cobertura do jornal.

Segundo o pesquisador, os debates focaram muito mais em aspectos conceituais do que na relação entre objetivos e resultados: “Esse foi outro achado importante, porque, um Programa, que altera substancialmente a formação e a residência médica e insere mais de 18 mil médicos na atenção básica, merece ser avaliado com rigor científico. Isto não se deu, ainda”, observa. Outras associações comuns, como “médico cubano” e “conselho de medicina”, revelam outro aspecto dos discursos avaliados. “O apelo de Cuba no imaginário, somado ao repertório da discriminação racial que apareceu no corpus de pesquisa, demonstraram que se tratavam de representações sociais fortemente ancoradas nos grupos sociais que as proferiam. Estas representações se manifestavam por meio de objetivações muito contundentes”, comenta César.

Por fim, a pesquisa pretende demonstrar aquilo que os conteúdos dos discursos midiáticos sobre o Programa Mais Médicos priorizam e negligenciam: “Tudo o que este trabalho não pretende é julgar o Mais Médicos. O programa apresentou pontos positivos e negativos. Fontes credenciadas mencionaram a omissão do governo quanto a questões centrais para a escassez médica, como a carreira de estado. O objetivo do trabalho foi compreender como diversos atores se posicionaram, de forma diferenciada, frente a uma intervenção que se vincula ao direito constitucional do acesso universal à saúde. O trabalho revelou consensos e tradições estabelecidas e que se manifestam em narrativas e atos de fala”, conclui.

Leia o artigo sobre o tema, publicado na Revista TradTerm.

 

Título: O Programa Mais Médicos em uma abordagem lexical: Representação social e repercussão científica

Nível: Mestrado

Autor: César Augusto Luz

Orientadora: Eliane Dias Gontijo

Coorientador: César Nardelli Cambraia

Programa: Saúde Pública

Defesa: 25 de Maio de 2015