A Saúde e as eleições em 2014

Publicado em Diversos - 24 de outubro de 2014

A Saúde está entre os principais tópicos na pauta da Eleição de 2014. Além de ser uma das maiores exigências dos eleitores, as propostas para a Saúde acabam sendo discutidas de diferentes modos pelos dois candidatos neste segundo turno. O médico Raphael Aguiar, mestre em Saúde Pública e doutor em Educação pela UFMG, foi convidado a debater sobre o assunto. Raphael também é professor do Departamento de Medicina Preventiva e Social da Faculdade de Medicina da UFMG e membro associado do Nescon, trabalhando há 13 anos com questões, principalmente, relacionadas à Educação Permanente em Saúde.

Quais são os aspectos mais frágeis da Saúde ou os pontos mais negligenciados atualmente?

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O professor Raphael em um encontro presencial do Ceesf

A meu ver, os aspectos mais frágeis hoje na Saúde são:

a) Pouco conhecimento da população em geral sobre a proposta e o funcionamento do SUS;
b) Necessidade de adaptação do sistema ao nosso atual panorama demográfico e epidemiológico, no qual predominam as doenças crônicas, as  neoplasias e as causas externas;
c) Necessidade de melhor uso dos recursos financeiros, humanos e materiais do SUS;
d) Subfinanciamento

Qual será o cenário da Saúde no Brasil que a próxima gestão irá encontrar em 2015?

O cenário que a próxima gestão irá encontrar no ano que vem compreenderá um SUS que está cada vez mais estruturado, mas que ainda apresenta enormes desafios em relação ao aumento de sua eficácia e acessibilidade, que devem ser vencidos tanto pelo aumento do aporte de recursos financeiros como pela qualificação de seus profissionais e pela reorganização e integração de ações e serviços de forma a aumentar o potencial do sistema como um todo.

Além disso, o país deverá lidar, ao mesmo tempo, com problemas advindos da melhoria das condições de vida da população, como o envelhecimento e o consequente aumento das condições crônicas, e também com velhos (e novos) problemas transmissíveis, como a dengue, a tuberculose, a hanseníase e, mais recentemente, a febre chikungunya transmitida pelo mesmo vetor da dengue. A ameaça de vírus emergentes como o ebola também deve manter em alerta os gestores do SUS nos próximos meses.

Para darmos contas desses desafios, deve-se consolidar, na Saúde brasileira, um modelo assistencial estruturado em Redes de Atenção à Saúde, de forma a oferecer um cuidado integral, coordenado pela Atenção Básica e que promova ativamente atividades de promoção da saúde, prevenção de doenças, cura e reabilitação de agravos. Esse modelo também deve promover a otimização de recursos escassos, evitando desperdício e sobreposição de ações.

A próxima gestão deverá também, a meu ver, deixar clara a sua opção pelo fortalecimento do SUS em um momento no qual mais e mais brasileiros buscam adquirir planos de saúde – que nem sempre se responsabilizam pelo cuidado contínuo e integral aos usuários, como a Atenção Básica busca fazer.

Quais são os pontos fortes e os fracos das propostas para a Saúde dos dois candidatos à presidência? 

De uma forma geral, pode-se citar como ponto positivo da proposta da candidata Dilma, uma maior atenção ao SAMU, e do candidato Aécio, a busca da consolidação das redes de atenção à saúde. Como ponto negativo em ambas as propostas, destaca-se a timidez com que tratam a questão da Atenção Básica – cuja consolidação e eficiência deveriam ser, a meu ver, uma grande prioridade em nosso contexto atual.

Qual sua avaliação da formação dos profissionais de saúde hoje? 

A formação dos profissionais de saúde hoje ainda está aquém de nossas necessidades. Cito, em particular, a formação dos médicos, que em muitas instituições é voltada para especialização, e não para o exercício da Atenção Básica. Além disso, é preciso que os cursos de saúde passem a valorizar mais o cuidado com os agravos crônicos. Para isso, eles devem capacitar os futuros profissionais para que monitorem adequadamente os determinantes sócio-econômicos-culturais do processo saúde/doença em suas comunidades, bem como para que captem precocemente portadores de agravos como hipertensão e diabetes. Esses profissionais devem saber tanto tratar adequadamente essas condições e suas complicações, como apoiar corretamente os usuários em ações preventivas e mudanças no estilo de vida.

No que tange ao ensino e a pesquisa, o que deve mudar na formação dos profissionais de saúde? 

Penso que a formação dos profissionais de saúde deve utilizar cada vez mais novas tecnologias que permitam a interatividade, o gerenciamento do próprio aprendizado e a simulação de situações. O uso de vídeo-aulas curtas e sequenciais, com esquemas e ilustrações visuais (em vez de longas aulas expositivas que exaurem o aluno e não permitem que ele “volte” para entender um determinado conceito), é uma opção que precisa ser discutida: os alunos poderiam, assim, assistir às aulas descansados, quando houver disponibilidade, encontrando os colegas e o professor para discuti-las e tirar dúvidas.

Cito também a problematização por meio de casos clínicos e simulações interativas, que permitem ao aluno compreender melhor a aplicação prática do conhecimento acumulado ao longo do curso. Por fim, é preciso manter o aluno em serviços do SUS para que ele possa vivenciar esse contexto e aprender a manejar as condições mais comuns na sua comunidade.

Em relação à pesquisa, penso ser preciso aplicá-la mais aos contextos vivenciados pelo aluno, bem como à realidade e às necessidades da população em geral.