Evento marca 30 anos de enfrentamento da Aids na UFMG

Publicado em Diversos - 28 de julho de 2015

No dia 12 de agosto será realizado o evento “30 anos de enfrentamento da Aids na Faculdade de Medicina e no Hospital das Clínicas da UFMG”. A reunião será realizada a partir das 19h, no Salão Nobre da Faculdade de Medicina e a entrada é aberta ao público em geral.

No dia serão discutidos o que foram esses 30 anos de enfretamento e a perspectiva do controle da epidemia daqui para frente. Irão compor a mesa do encontro o diretor da Faculdade de Medicina, Tarcizo Nunes; a superintendente do Hospital das Clínicas, Luciana de Gouvêa; o diretor do Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde, Fábio Mesquita; os secretários de Saúde do Estado de Minas Gerais e da Prefeitura de Belo Horizonte, Fausto Pereira e Fabiano Pimenta; um representante do UNAIDS; a idealizadora do Projeto Ammor (Ação Multiprofissional com Meninos em Risco), Irene Adams; e uma pessoa vivendo com HIV/Aids, Floriano Leite.

A data marca a criação, em 13 de agosto de 1985, de um setor no Serviço de Doenças Infecciosas, no ambulatório Bias Fortes do Hospital das Clínicas da UFMG, o qual em 1991 foi integrado ao Centro de Treinamento e Referencia de Doenças Infecciosas e Parasitárias (CTR DIP Orestes Diniz), em parceria com a Prefeitura de Belo Horizonte. Este setor foi um dos pioneiros no Brasil e o primeiro em Minas Gerais a atender pessoas em risco ou vivendo com HIV/Aids.

Os primeiros relatos de casos de Aids ocorreram no início da década de 1980 e, em 1985, já se antevia sua disseminação por todo o mundo. Por isso, começou uma discussão nacional para que os locais assumissem a possibilidade de acompanhar pessoas infectadas.

Desta forma, o professor do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina e então coordenador do serviço de doenças infecciosas da UFMG, Dirceu Greco, acreditava que era papel da Universidade participar deste esforço nacional para estabelecer atendimento de qualidade, juntamente com ensino, pesquisa e extensão.

Facebook_30 anos de enfrentamento da aidsHouve muita dificuldade e preconceito quando o setor foi criado, além de muitas dúvidas sobre a transmissão da doença. “Na época eram muito mais pessoas em risco do que infectadas, porque praticamente o vírus ainda não tinha chegado ao Brasil”, conta Greco.

O professor lembra, ainda, que no dia do primeiro atendimento, as três principais redes de televisão de Belo Horizonte estavam presentes e queriam entrar para filmar as pessoas que tinham a doença, o que nunca foi permitido. De acordo com Greco, nos três primeiros meses de atendimento, a maior parte das pessoas que procurou o ambulatório estava ansiosa em relação ao HIV, mas não tinha sido infectada pelo vírus.

“Havia muito pouco conhecimento sobre Aids na época. Mas uma coisa que a gente sabia é que havia uma dramaticidade muito grande, com uma curiosidade muito grande em relação a esse atendimento”, explica o psicólogo Edson Ildefonso de Oliveira, voluntário do ambulatório de 1985 a 1993.

Atendimento

O ambulatório, como parte do serviço de Doenças Infecciosas e Parasitárias, não recebia apenas as pessoas vivendo com HIV, mas com qualquer tipo de doença infecciosa ou parasitária. Aquelas pessoas em risco para o HIV, ou seja, que haviam recebido transfusão de sangue ou que tinham relações sexuais desprotegidas e que poderiam estar infectadas, tinham então um local para atendimento, segundo Greco, “de maneira ética, sigilosa e sem qualquer tipo de discriminação”. Nos primeiros anos, a pessoa podia realizar o pedido do exame no próprio ambulatório. Em caso de diagnóstico positivo, ela era acompanhada e, em caso de negativo, havia orientação sobre prevenção. Atualmente, o ambulatório recebe apenas as pessoas em que o diagnóstico da infecção já foi confirmado.

Hoje, mais de 6 mil pessoas vivendo com HIV/Aids estão em acompanhamento.  O atendimento é realizado por docentes da UFMG e por profissionais de saúde da Prefeitura de Belo Horizonte. Há médicos de diversas especialidades, dentistas, enfermeiros, assistentes sociais, farmacêuticos, psicólogos, além de um corpo administrativo. Todos os medicamentos para o tratamento são disponibilizados pelo Sistema Único de Saúde. Há ensino, pesquisa e extensão, envolvendo os diversos aspectos da infecção pelo HIV/Aids, com alunos de graduação e pós-graduação. Desde 1989 está também estabelecido um setor de referência para mulheres grávidas infectadas pelo HIV e para o acompanhamento dos recém nascidos.

“A gente se sentia privilegiado de estar trabalhando nessa área, mas com uma responsabilidade muito grande. Queríamos dar a essas pessoas a possibilidade de viver com prazer, ter uma qualidade de vida. O grande investimento era esse”, explica Edson de Oliveira, que hoje é psicólogo do Projeto Horizonte da UFMG.

Dificuldades

Entretanto, muitas foram as dificuldades enfrentadas durante a criação e a execução destes serviços. Segundo Greco, houve muita pressão para que esse setor não fosse aberto. “Na época, já se sabia que o risco do HIV estava relacionado principalmente às relações sexuais não protegidas, ao compartilhamento de seringas e agulhas, à transfusão de sangue e à transmissão vertical, ou seja, da mãe vivendo com HIV/Aids para o bebê, durante a gravidez, o parto ou a amamentação. Entretanto, havia um medo infundado de contato com qualquer pessoa vivendo com HIV/Aids, que estava muito ligado ao preconceito, especialmente contra homossexuais, que no início da epidemia foram erroneamente denominados como grupo de risco. Era uma epidemia que estava se alastrando pelo mundo e que começava a atingir o Brasil, mas que as pessoas em geral se diziam não preparadas para recebê-la e pareciam nem querer estar”, lembra. Ainda segundo o professor, “o desconhecimento pode causar medo, mas a informação segura e clara é o remédio único e eficaz para mitigá-lo”.

“Essa falta de conhecimento gerou a necessidade de reuniões semanais, discussões, críticas e muita leitura entre a equipe responsável”, acrescenta Edson de Oliveira.

Após a abertura, começaram a aparecer alguns problemas associados. O paciente que chegava ao ambulatório com suspeita da doença precisava realizar exames para a comprovação da infecção. O sangue era colhido no local e encaminhado para o laboratório central. Porém, a alegação era de que o laboratório não estava preparado para receber este tipo de material, já que, por exemplo, ele era descartado de forma inapropriada posteriormente. Dirceu lembra que a única forma para convencê-los a continuar fazendo os exames era um carimbo no pedido escrito “cuidados especiais”, apesar de já à época estava claro que qualquer fluido humano deveria ser alvo de precauções universais.

Logo que o número de pessoas infectadas foi aumentando, apareceu outro problema: local para interná-las. Na época não havia tratamento específico, após o diagnóstico era possível apenas tratar as infecções oportunistas. Até que no Hospital João XXIII foram disponibilizados quatro leitos para internação das pessoas infectadas. Dirceu recorda que o sofrimento desses pacientes era aumentado, pois eram praticamente trancados nessa sala, tinham visitas proibidas, copos e pratos descartáveis e despertavam a curiosidade dos médicos e funcionários.

“Apesar da dificuldade inicial, o processo foi estruturado dentro de uma unidade pública, com todos os pressupostos de pesquisa, ensino e extensão. Se tivesse preparada, por exemplo, a parte da internação mais precocemente, uma estrutura para receber esses pacientes, talvez tivesse sido melhor. Mas do ponto de vista geral, o setor recebeu o suporte e a participação de muitos profissionais de saúde que atenderam o chamado para este enfrentamento. O Serviço DIP contou ainda com o apoio do Ministério da Saúde- SUS e das Secretarias Estadual e Municipal de Saúde”, explica Dirceu Greco.