Epidemia da sífilis pode ser resolvida na Atenção Primária, afirmam especialistas

Publicado em Notícias - 27 de Fevereiro de 2019

Projeto de intervenção em Unidade Básica de Saúde conseguiu reduzir índices de transmissão da doença 

Uso das camisinhas masculina e feminina previne a sífilis e demais ISTs. Foto: Carol Morena

Altamente contagiosa, a sífilis é uma doença causada por bactéria transmitida por relação sexual sem camisinha ou durante a gestão ou parto. Apesar da eficácia do preservativo para a prevenção da doença, o país registra aumento expressivo do número de casos. No entanto, especialistas afirmam que é possível solucionar o problema integralmente na Atenção Primária à Saúde, considerada a porta de entrada do SUS. É o que tem conseguido a equipe de uma Unidade Básica de Saúde (UBS) em Betim, na Grande BH, através de mudança na abordagem da sífilis.

Formado em Medicina pela UFMG, Eduardo Moreira trabalha há dois anos na UBS Campos Elíseos, em Betim. Nesse período, ele cursou a Especialização em Saúde da Família, pelo Núcleo de Educação em Saúde Coletiva (Nescon) da Faculdade, como trabalho de conclusão desse curso.

“A gente conhece essa doença há muito tempo e sabe qual é o tratamento eficaz, mas ainda assim existe uma dificuldade na Atenção Primária de fazer uma abordagem correta do paciente que chega com suspeita de infecção, principalmente da gestante”, explica Eduardo, que terminou o curso a distância do Nescon em dezembro.

Dados do Boletim Epidemiológico de Sífilis 2018, divulgado pelo Ministério da Saúde, mostram que a taxa de detecção de sífilis adquirida passou de 14,4 casos em 2012 para 58,1 em 2017 por 100 mil habitantes. Já o número de casos de sífilis congênita dobrou em cinco anos, chegando a 24.746 em 2017, segundo o Ministério da Saúde.

Subnotificação e atendimento

O médico especialista em Saúde da Família observou que a notificação dos casos da doença não era feita. Com isso, o serviço de vigilância epidemiológica deixava de ser alimentado com dados. Porém, essa subnotificação prejudica a produção e distribuição de recursos para tratamento. Além disso, Eduardo comenta que os profissionais estavam com dificuldade de promover medidas de conscientização da doença e de dar prosseguimento ao atendimento médico.

“Muitas vezes, o usuário chegava com a suspeita e era agendado pra dali a uma semana. Quando ele voltava, era feito o teste rápido e, se dava resultado positivo, ele era agendado pra fazer uma consulta com o médico… Então, desde o momento que ele chegava na UBS até ele receber o tratamento, passavam quase 30 ou 40 dias. Às vezes, a pessoa desistia”, relata Moreira.

Teste rápido 
É uma tecnologia simples: o equipamento faz um furo pequeno no dedo da pessoa e, com uma gota de sangue, analisa reações do seu sistema imunológico. Quando ela está com sífilis, aparecem dois riscos no aparelho. Diante desse resultado, há 99% de chance de a pessoa estar doente, sendo o teste bastante confiável.

Epidemia da sífilis

De acordo com o professor do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFMG e coordenador do setor de Imunologia Clínica do Hospital das Clínicas, Jorge Pinto, uma falha no combate à DST, que levou à epidemia no país, foi o desabastecimento da medicação devido à falta de matéria prima para sua produção, entre 2014 e 2018. “É um tratamento simples: penicilina benzatina”, explica o professor.

Equipe de saúde da UBS Campos Elíseos. Foto: Acervo Pessoal/ Eduardo Moreira.

Além do desabastecimento, a resistência que alguns profissionais tinham em utilizar essa medicação também facilitou a epidemia de sífilis. Segundo ele, era comum a preocupação com reações alérgicas. “A taxa de ocorrência de reação anafilática é 0,002%. É muito menor, por exemplo, do que medicamentos muito mais comumente utilizados, os anti-inflamatórios não esteroides, como dipirona e ibuprofeno”, comenta.

Por isso, para o professor Jorge Pinto, qualquer iniciativa que leve o tratamento da DST para a Atenção Primária do SUS de forma eficaz deve ser incentivada. “Temos todas as condições pra erradicar a sífilis; faltam planejamentos adequados, que passa pela educação médica, pela educação da população geral e pela organização dos serviços de saúde e o tratamento adequado”, avalia.

Proposta

E foi exatamente essa a proposta de intervenção na UBS Campos Elíseos: planejar novamente a organização do atendimento, tratamento e prevenção da doença na comunidade.

Confira, abaixo, detalhes sobre as mudanças que a equipe realizou a partir do projeto de intervenção:

 

Segundo o especialista, o treinamento da equipe foi viabilizado através do Serviço de Prevenção e Assistência a Doenças Infecciosas (Sepadi), vinculado à Secretaria de Saúde de Betim. “Também fizemos palestras tanto para os profissionais da enfermagem, técnicos e médicos, quanto para os administrativos. O objetivo era que se atualizassem a respeito dos atuais protocolos de notificação e tratamento”, esclarece.

Prevenção

Em relação a medidas de prevenção, o médico esclarece que foram promovidas palestras em escolas da região e em casas que fazem tratamento para dependentes químicos. “São pessoas que tem uma vulnerabilidade social e em que a gente sabe que as DSTs podem ser mais comuns. Nessas visitas também era ressaltado que a UBS tinha o teste rápido e o tratamento”, comenta.

Com isso, foi possível realizar maior número de teste rápido nos pacientes e reduzir a transmissão da sífilis. De acordo com Eduardo, de agosto de 2017 até dezembro de 2018, a unidade Campos Elíseos realizou teste rápido em mais de 100 mil habitantes. O exame permitiu que 17 casos da doença em gestantes fosses diagnosticados, sendo possível evitar que 14 crianças nascessem com sífilis congênita.

Agora, o projeto exitoso tem sido ampliado para as outras unidades de Betim.“A nossa unidade passou a ser referência dentro disso. Outros gerentes passaram a perguntar como a gente organizou esse fluxo pra eles poderem ir incorporando ajustes na linha de tratamento”, comemora.

*Samuel Silveira – estagiário de Jornalismo

Edição: Karla Scarmigliat