Consciência negra e o racismo institucionalizado do Brasil

Publicado em Notícias - 20 de novembro de 2015

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Para Benilda Brito, manutenção dos esteriótipos perpetua o racismo. Foto: Carol Morena

Diferente do racismo individual, que se relaciona ao preconceito racial, quando uma pessoa se considera superior a outra por conta da cor de sua pele, o racismo institucional acontece quando estruturas e instituições, públicas e privadas, atuam de forma diferenciada em relação a determinados grupos, em função de suas características físicas ou culturais. De acordo com a coordenadora do N’zinga – Coletivo de Mulheres Negras, Benilda Brito, este tipo de discriminação tem grande impacto no número de vítimas do atendimento inadequado nas unidades de saúde. Essas discussões aconteceram durante evento realizado no dia 19 de novembro, no Centro de Educação e Apoio para Hemoglobinopatias (Cehmob-MG), integrando a Semana de Atividades de Conscientização do Racismo Institucional.

Segundo a coordenadora, o Brasil é o segundo país do mundo com o maior número de pessoas negras, superado apenas pela Nigéria, na África. Ainda assim, no país que prega a democracia racial, diversos casos de discriminação ocorrem diariamente. Para exemplificar sua fala, Benilda relembra o caso recente de médicos cubanos, em sua maioria negros, que vieram para o país através do Programa Mais Médicos. Nos aeroportos, eles foram recebidos com vaias e bananas por médicos brasileiros, majoritariamente brancos.

Benilda destaca que esse imaginário racista data do período da escravidão, quando muitos negros foram trazidos como mercadoria para o Brasil para produzir riquezas, mas sem ter acesso a elas. Visão perpetuada até hoje, não só em casos como o dos médicos cubanos, mas também nas escolas, postos de saúde e, até mesmo, em abordagens policiais. “Existe toda uma lógica discriminatória que é histórica e que não quer saber quem é você. Você é uma pessoa negra, então existe um imaginário que faz com que a professora veja os coleguinhas chamando o outro de cabelo de BomBril,  de macaco e não faça nada. E faz também com que o profissional de saúde ao olhar para o paciente negro tenha a mesma atitude, que se revela na forma do tratamento desleixado”, afirma.

Ela destaca ainda que a mídia tem um papel fundamental na manutenção dos estereótipos, que acabam por “congelar” o olhar do negro sobre si próprio. “Na novela, você só vê o preto no morro, como bandido, como subordinado. Você não vê uma família negra, bem sucedida, na qual os pais querem investigar o namoradinho da filha pra saber se ele tem boa índole”, diz. “São raros os papeis de relevância do negro. Sabe-se do poder de influência do que passa na televisão, então por que não usar essa força para contribuir na mudança do imaginário?”, questiona.

Nesse sentido, ela destaca também  que, devido a essa falta de perspectiva, negros ainda são maioria entre a população carcerária brasileira e em dados relativos aos assassinatos de jovens. Segundo o Mapa da Violência 2015, realizado pelo Ministério da Justiça, de um total de 22.230 homicídios de jovens por armas de fogo, 17.120 eram negros. Se considerados os homicídios praticados pelas forças policiais e registrados pelos “autos de resistência”, nota-se que eles também vitimam mais intensamente os negros: de 2001 a 2007, incidiram sobre essa população 61,7% dos homicídios praticados por agentes do Estado, de acordo com o Relatório Anual das Desigualdades Raciais no Brasil (2009-2010).

Para Benilda, a principal forma de mudar essa realidade é o fortalecimento da identidade negra, além da criação de políticas públicas que promovam uma maior igualdade. “É por isso que a gente briga com a escola, pra não mostrar só essa imagem negativa. É por isso que as cotas são necessárias, por isso a gente marcha, vai às ruas, para que as pessoas se identifiquem e pensem que elas ali, negras, com o cabelo crespo, o nariz chato, podem sim estar ali, ocupando esses lugares que nos são constantemente negados”, acentua.

Hoje, segundo ela, essa perspectiva tem melhorado. Entretanto, ainda há um longo caminho à ser trilhado. “Eu fiz um senso quando estava na Pontifícia Universidade Católica (PUC) e negros eram 1% de professores da universidade. Hoje já somos 6%, isso em dez anos. Você tinha só 2% de alunos universitários negros, hoje já são 35%, em alguns lugares 40%”, aponta. “Estamos vivendo outros momentos sociais que são silenciados e negados em nome de uma ordem social racista. Enquanto a maioria não enxergar que isso vem mudando, o preto vai continuar sendo macaco”, conclui.