Alto número de pacientes hipertensos preocupa profissionais da Atenção Primária

Publicado em Notícias - 15 de Fevereiro de 2019

*Samuel Silveira

Pressão alta foi responsável por 83.688 internações no Sistema Único de Saúde (SUS) e 49.640 mortes em 2016. Especialistas em Saúde da Família buscam reduzir esses números

Foto: Carol Morena

Doença com início gradual, de longa duração, que requer mudanças contínuas de estilo de vida e que nem sempre leva à cura. Essa é a definição do Ministério da Saúde para as chamadas doenças crônicas, como a hipertensão arterial, que acomete um a cada quatro adultos e metade da população idosa no Brasil. Os dados são da Sociedade Brasileira de Hipertensão. Mas é na realidade da Atenção Primária à Saúde que o peso desses números se traduz. E quem lida diretamente com essa área, considerada a porta de entrada do SUS, busca soluções para reduzir esses números, a exemplo dos profissionais do Núcleo de Educação em Saúde Coletiva (Nescon), da Faculdade de Medicina da UFMG.

Segundo pesquisa do Núcleo, as doenças crônicas não transmissíveis, como pressão alta e diabetes, são os problemas mais recorrentes nas unidades de saúde onde atuam os profissionais que cursam a Especialização em Saúde da Família, ofertada pelo Nescon para capacitação no SUS.

O levantamento revela que desde 2013 – início da oferta do curso – até 2017, quase a metade do total de trabalhos de conclusão de curso foi sobre essa temática. Tendência que parece ter se mantido, já que a plataforma do curso catalogou, apenas sobre hipertensão arterial, 75 TCCs no ano passado.

Porta de entrada

A médica Emmen Rocha conta que o número de pacientes com hipertensão onde trabalha passa de 500. “É muito difícil fazer o paciente tomar os remédios e entender que não é só medicação, mas também alimentação e atividade física”, expõe. Emmen atua na cidade de Almenara, no vale do Jequitinhonha, há dois anos, período em que cursou a Especialização em Saúde da Família do Nescon.

Ela explica que a falta de controle no tratamento aumenta muito as consultas por urgência e emergência hipertensiva. “Isso gerava um desconforto, porque o Pronto Socorro acabava colocando [a culpa] em cima do PSF, que não estávamos fazendo tratamento adequado. Então o TCC foi desenvolvido pra fazer eles aderirem melhor ao tratamento”, comenta Emmen.

“Coloquei agentes de saúde pra fazer mais busca ativa, sempre que passar nas casas, procurar identificar os hipertensos, conversar com eles, oferecendo consulta: ‘marquei consulta para o senhor tal dia!’ — pra não deixarem de ir”, Emmen Rocha.

Mudança de concepção

Para a integrante da coordenação do Curso de Especialização em Saúde da Família do Nescon, Maria Rizoneide Araújo, é uma tendência que os profissionais busquem, no TCC, solucionar problemas na unidade onde trabalham. “Eles não escolhem melhorar o saneamento básico, porque não dão conta de fazer. Agora, melhorar a qualidade do atendimento, uma agenda programada, a parte educativa sobre doenças crônicas, tudo isso ele pode fazer com a equipe. Então eles têm que trabalhar soluções coletivamente”, comenta.

Lucilene Lima, que também concluiu a especialização em 2018, explica que foi preciso mudar a cultura na UBS Sagrada Família, no município de São Francisco (MG): “os pacientes mandavam a receita, aqui no PSF só renovava. Então o hipertenso não tinha nem conhecimento que a alimentação poderia ajudar no controle da pressão, que uma caminhada diária poderia baixar a pressão arterial”, lamenta.

De acordo com ela, a nutricionista da Unidade tem ajudado na produção dos cardápios e acompanhado as hortas comunitárias. “Ela tem ensinado sobre quais alimentos podem melhorar, não só a questão da hipertensão arterial, mas também de diabetes e colesterol. Alguns pacientes acabaram fazendo horta na própria casa”, comemora.

Lucilene ressalta a importância da conversa com o paciente, além de promover reuniões e palestras, mobilizando toda a equipe e usuários. “Na minha área, hoje, estou com 195 idosos hipertensos. Mas não tem como comparar a qualidade de vida, que mudou muito. Mudou a visão do paciente em relação à enfermidade que ele tem”, observa.

De acordo com Maria Rizoneide, a luta do curso de especialização tem sido por essa mudança de concepção. “Não se pode trabalhar sozinho, pois há uma equipe que, inclusive, tem pessoas leigas, que são os agentes comunitários, que conhecem as famílias. Então tem que se fazer essa troca de conhecimentos”. Por isso, para ela, ser um especialista em Atenção Primária é ser um generalista. “É ter um conhecimento global do ser humano”, conclui.

Gráfico mostra número de TCCs por temas e ano. Fonte: Nescon

 

Pressão alta

O professor do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UFMG, Josemar Moura, explica que, na maioria das vezes, não se consegue definir uma causa para a doença, sendo por isso chamada de hipertensão arterial primária ou essencial. “Nesses casos, existem vários fatores de risco, com destaque para fatores genéticos, consumo abusivo de sal, obesidade, diabetes, sedentarismo e dislipidemia”, esclarece.

O professor acrescenta que quando a hipertensão se instala, a pressão resultante da força de contração do coração, necessária para o sangue circular no corpo, é aumentada. “Dessa forma, ela sobrecarrega o próprio coração, rins e vasos sanguíneos arteriais”, informa. Professora do mesmo Departamento, Rose Mary Lisboa, ressalta que esse fator aumenta o risco de acidente vascular cerebral, doença arterial coronariana e insuficiência cardíaca e renal. “É o maior problema de saúde pública do mundo”, comenta.

De acordo com a Organização Panamericana de Saúde (OPAS), mais pessoas morrem anualmente no mundo por essas enfermidades do que por outras causas, sendo que, em 2015, por exemplo, a cada três mortes, uma foi por causa de doenças cardiovasculares.

Rose Mary Lisboa explica que a hipertensão primária não tem cura, mas pode ser controlada. “O tratamento inclui mudanças no estilo de vida como controle do peso, exercícios físicos, menor ingestão de sal, abstinência do álcool e dieta saudável. Associado a essas mudanças, há o tratamento farmacológico”, completa.

*Samuel Silveira – estagiário de Jornalismo

*edição: Karla Scarmigliat